O primeiro livro que li de Saramago foi "O memorial do Convento". Uma boa e uma má escolha: boa porque o livro é excelente; má porque... parece-me que é o melhor dele, por isso nenhum a partir daí me foi capaz de encher as medidas. Já o li há muito tempo, por isso posso estar a cometer algumas imprecisões. E, sobretudo, não fui obrigada a analisar a obra no liceu... o que pode ser uma grande vantagem na hora de o ler!
A personagem Blimunda, a meia bruxa de olhos de gato, consegue em jejum ver as "vontades" das pessoas. Ou seja, se elas são boas ou más. E tem grandes surpresas por vezes, ao comparar o aspecto da pessoa com o que vê no seu interior. E consegue colher as "vontades" quando as pessoas estão quase a morrer. E essas "vontades" fazem voar a passarola do estranho padre que não sabe que Deus não destinou os homens a voar. Sendo que as "vontades" não são mais que as almas, o carácter, aquilo que faz da gente gente. Boa e má.
Penso em como seria estranho ver o interior da pessoa com os olhos. Mas acho que muitas já não me surpreenderiam, por isso esse dom não seria inteiramente útil. A quantidade de maldade que Blimunda vê põe-na a dada altura doente, só porque é demais. Por certo desvalorizou a quantidade de almas limpas e boas que também viu, mas é da nossa natureza valorizar mais o mal que o bem.
No fim do livro Baltazar morre numa das muitas fogueiras da Inquisição. É a primeira vez que Blimunda vê com os olhos o que já sabia por observar no dia-a-dia o seu amado: que Baltazar é um homem bom, com uma alma limpa e boa. E recolhe a alma deste quando o seu corpo a liberta com o calor da fogueira. Como se já a não tivesse desde que se cruzaram e se entregaram um ao outro.
Não sei porque é que me lembrei deste livro estes dias. Possivelmente foi mesmo a parte das "vontades". Da vontade de dar a alma a outra pessoa. De a ter sem se pedir. Até o rei teria uma alma, e possivelmente até boa. Isto embora o Saramago tenda a assumir que só os pobres, desafortunados e injustiçados tenham almas puras e boas, o que me parece manifestamente um disparate. Mas pronto, estamos a falar do Saramago, que (sendo um bom homem) também tem um lado negro. Como toda a gente.
Dizia eu que me lembrei deste livro... mas pronto, não interessa. Eu sei porque é que me lembrei dele.
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23 comentários:
e, pela primeira vez na minha vida, sentid vontade de ler saramago...
Começo por dizer que não gosto de Saramago. Apesar disso, ou quiçá por causa disso, identifiquei-me com o teu post.
Beijos
Tu sabes, e isso basta!
;)
Eu cá gosto de Saramago!
Na minha altura ainda não se lia S na escola.
Mas fui lendo algumas coisas, acho que as ideias são sempre bem exploradas e cativantes.
O único que não senti com dele foi o "terra de pecado", leste?
MAs o memorial... ainda não li!
é, parece que foi ontem que o li.
Bem....
saramago consegue tirar-me do sério....
é que detesto detesto detesto....
consegui ler o Ano da Morte de Ricardo Reis quando tinha 16 anos e os cadernos de Lanzarote uns anos depois...
e nunca mais consegui ler nada!
Aliás....
Saramago, Garcia Marquez e Lobo Antunes :) detesto todos!
:)
Icon
O "memorial do convento" é espectacular. Pena é ser de difícil leitura inicialmente por causa da porra da alergia do homem à pontuação. Os outros... alguns passam um pedaço ao largo de bons (infelizmente para o lado errado). Mas ainda não li todo o Saramago.
Ni
... infelizmente, teres-te identificado com o meu post não é lá grande coisa. OK, tem partes boas.
Boop
Acho que passei os olhos por esse livro. Mas isso foi anos e anos antes de ele ser "o" Saramago e pelos vistos era ruinzinho (mas não falo com conhecimento de causa).
Tens mesmo que ler o "memorial do convento", porque é brilhante. Dos que li é, de longe, o melhor dele e dos livros mais bonitos que já li.
Raiodesol
Apesar de os pormenores me escaparem, continuo a lembrar-me do livro.
Eu Mesma
Bem, leste todos os que eu não li!
Adoro Gabriel Garcia Marques. Quanto a Lobo Antunes, o homem além de ser tolo é chato! Mas chato todos os dias! E tolo todos os dias! E parece que escreve sempre a mesma coisa! Li o "não-sei-o-quê dos crocodilos" e gostei. Depois comecei a ler o "não entres tão depressa nessa noite escura"... consegui a proeza de ler metade do livro (que é enorme) e decidir conscientemente que não ia perder mais tempo da minha vida a ler o resto. Quanto às crónicas da Visão... nem comento!
Abo!
"Da vontade de dar a alma a outra pessoa. De a ter sem se pedir."
Estamos a ficar com o coraçãozito molezinho não estamos?
Ou será este tempo primaveril que estará a fazer das suas?
:)
Sou um inculto, nunca li nada do Saramago... mas em contrapartida li o prefácio da obra "A filosofia civil de Eric Voegelin". :)
JP
Eu? A ficar com o coraçãozinho mole?? Estás tolo, só pode!
E essa cena da filosifia civil... ... ... morre muita gente no livro? Isso ainda não deu filme, pois não?
tem a construção/ invenção de algo que voa, um balão... tem a construção de um mosteiro etc
100 anos de solidão, também é bom...mas, o que tens , hum ????
Adoro Saramago!Mas confesso que o ensaio s/ a cegueira éo meu preferido por muito que me fira, faça sofrer...
um bjo
"Da vontade de dar a alma a outra pessoa. De a ter sem se pedir..."
Pronto, já me puseste melancólica logo de manhã... devia ter-me ficado pelo post de cima :P
Do Lobo Antunes gosto! Tou a ler, vagarosamente a Exortação (era esta a palavra que procuravas?!) aos crocodilos. Aquilo é denso.
Li tb crónicas dele e tb gostei.
Raiodesol
Também li o cem anos de solidão, há muito tempo e adorei... se bem que me ocorreu que um livro com o título "sem anos de solidão" seria mais interessante. Mas isto sou eu agora aqui a pensar!
Velas
Tenho esse livro mas ainda não lhe peguei. Vi o filme e não decidi na hora se gostei. Agora, à distância, acho que sim... e por isso é que não vou pegar no livro tão cedo. Porque tenho que pensar positivo.
Tisha
Pois... olha, concentra-te em posts com mamas ou gajos. É melhor! A melancolia não leva a nada se não for usada com parcimónia. Ontem foi um dia complicado. Ou eu é que sou complicada, ainda não decidi... ou então eu sou simples e os outros é que são complicados... esquece!
Icon
Isso! A exortação aos crocodilos! Li aquilo bem. Agora que penso no assunto, fui ver a peça de teatro baseada no livro e estava bestial. Mas... esse senhor pode estar descansado que eu dele não leio mais nada!
Saramago não é comigo. Mas li o Memorial do Convento...Quanto aos livros que deram filmes, adoro A Insustentável Leveza do Ser, do Milan Kundera. Grande livro!
Storyteller: toda a gente fala nesse livro... parece que tenho que o ler... :S
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