terça-feira, 19 de maio de 2009

As vontades

O primeiro livro que li de Saramago foi "O memorial do Convento". Uma boa e uma má escolha: boa porque o livro é excelente; má porque... parece-me que é o melhor dele, por isso nenhum a partir daí me foi capaz de encher as medidas. Já o li há muito tempo, por isso posso estar a cometer algumas imprecisões. E, sobretudo, não fui obrigada a analisar a obra no liceu... o que pode ser uma grande vantagem na hora de o ler!

A personagem Blimunda, a meia bruxa de olhos de gato, consegue em jejum ver as "vontades" das pessoas. Ou seja, se elas são boas ou más. E tem grandes surpresas por vezes, ao comparar o aspecto da pessoa com o que vê no seu interior. E consegue colher as "vontades" quando as pessoas estão quase a morrer. E essas "vontades" fazem voar a passarola do estranho padre que não sabe que Deus não destinou os homens a voar. Sendo que as "vontades" não são mais que as almas, o carácter, aquilo que faz da gente gente. Boa e má.

Penso em como seria estranho ver o interior da pessoa com os olhos. Mas acho que muitas já não me surpreenderiam, por isso esse dom não seria inteiramente útil. A quantidade de maldade que Blimunda vê põe-na a dada altura doente, só porque é demais. Por certo desvalorizou a quantidade de almas limpas e boas que também viu, mas é da nossa natureza valorizar mais o mal que o bem.

No fim do livro Baltazar morre numa das muitas fogueiras da Inquisição. É a primeira vez que Blimunda vê com os olhos o que já sabia por observar no dia-a-dia o seu amado: que Baltazar é um homem bom, com uma alma limpa e boa. E recolhe a alma deste quando o seu corpo a liberta com o calor da fogueira. Como se já a não tivesse desde que se cruzaram e se entregaram um ao outro.

Não sei porque é que me lembrei deste livro estes dias. Possivelmente foi mesmo a parte das "vontades". Da vontade de dar a alma a outra pessoa. De a ter sem se pedir. Até o rei teria uma alma, e possivelmente até boa. Isto embora o Saramago tenda a assumir que só os pobres, desafortunados e injustiçados tenham almas puras e boas, o que me parece manifestamente um disparate. Mas pronto, estamos a falar do Saramago, que (sendo um bom homem) também tem um lado negro. Como toda a gente.

Dizia eu que me lembrei deste livro... mas pronto, não interessa. Eu sei porque é que me lembrei dele.

23 comentários:

Icon disse...

e, pela primeira vez na minha vida, sentid vontade de ler saramago...

NI disse...

Começo por dizer que não gosto de Saramago. Apesar disso, ou quiçá por causa disso, identifiquei-me com o teu post.


Beijos

Boop disse...

Tu sabes, e isso basta!
;)

Eu cá gosto de Saramago!
Na minha altura ainda não se lia S na escola.
Mas fui lendo algumas coisas, acho que as ideias são sempre bem exploradas e cativantes.
O único que não senti com dele foi o "terra de pecado", leste?

MAs o memorial... ainda não li!

rds disse...

é, parece que foi ontem que o li.

Eu Mesma! disse...

Bem....
saramago consegue tirar-me do sério....

é que detesto detesto detesto....
consegui ler o Ano da Morte de Ricardo Reis quando tinha 16 anos e os cadernos de Lanzarote uns anos depois...

e nunca mais consegui ler nada!

Aliás....
Saramago, Garcia Marquez e Lobo Antunes :) detesto todos!

:)

Abobrinha disse...

Icon

O "memorial do convento" é espectacular. Pena é ser de difícil leitura inicialmente por causa da porra da alergia do homem à pontuação. Os outros... alguns passam um pedaço ao largo de bons (infelizmente para o lado errado). Mas ainda não li todo o Saramago.

Abobrinha disse...

Ni

... infelizmente, teres-te identificado com o meu post não é lá grande coisa. OK, tem partes boas.

Abobrinha disse...

Boop

Acho que passei os olhos por esse livro. Mas isso foi anos e anos antes de ele ser "o" Saramago e pelos vistos era ruinzinho (mas não falo com conhecimento de causa).

Tens mesmo que ler o "memorial do convento", porque é brilhante. Dos que li é, de longe, o melhor dele e dos livros mais bonitos que já li.

Abobrinha disse...

Raiodesol

Apesar de os pormenores me escaparem, continuo a lembrar-me do livro.

Abobrinha disse...

Eu Mesma

Bem, leste todos os que eu não li!

Adoro Gabriel Garcia Marques. Quanto a Lobo Antunes, o homem além de ser tolo é chato! Mas chato todos os dias! E tolo todos os dias! E parece que escreve sempre a mesma coisa! Li o "não-sei-o-quê dos crocodilos" e gostei. Depois comecei a ler o "não entres tão depressa nessa noite escura"... consegui a proeza de ler metade do livro (que é enorme) e decidir conscientemente que não ia perder mais tempo da minha vida a ler o resto. Quanto às crónicas da Visão... nem comento!

JP disse...

Abo!
"Da vontade de dar a alma a outra pessoa. De a ter sem se pedir."
Estamos a ficar com o coraçãozito molezinho não estamos?
Ou será este tempo primaveril que estará a fazer das suas?
:)

Sou um inculto, nunca li nada do Saramago... mas em contrapartida li o prefácio da obra "A filosofia civil de Eric Voegelin". :)

Abobrinha disse...

JP

Eu? A ficar com o coraçãozinho mole?? Estás tolo, só pode!

E essa cena da filosifia civil... ... ... morre muita gente no livro? Isso ainda não deu filme, pois não?

rds disse...

tem a construção/ invenção de algo que voa, um balão... tem a construção de um mosteiro etc

RDS disse...

100 anos de solidão, também é bom...mas, o que tens , hum ????

as velas ardem ate ao fim disse...

Adoro Saramago!Mas confesso que o ensaio s/ a cegueira éo meu preferido por muito que me fira, faça sofrer...

um bjo

Tisha disse...

"Da vontade de dar a alma a outra pessoa. De a ter sem se pedir..."

Pronto, já me puseste melancólica logo de manhã... devia ter-me ficado pelo post de cima :P

Icon disse...

Do Lobo Antunes gosto! Tou a ler, vagarosamente a Exortação (era esta a palavra que procuravas?!) aos crocodilos. Aquilo é denso.
Li tb crónicas dele e tb gostei.

Abobrinha disse...

Raiodesol

Também li o cem anos de solidão, há muito tempo e adorei... se bem que me ocorreu que um livro com o título "sem anos de solidão" seria mais interessante. Mas isto sou eu agora aqui a pensar!

Abobrinha disse...

Velas

Tenho esse livro mas ainda não lhe peguei. Vi o filme e não decidi na hora se gostei. Agora, à distância, acho que sim... e por isso é que não vou pegar no livro tão cedo. Porque tenho que pensar positivo.

Abobrinha disse...

Tisha

Pois... olha, concentra-te em posts com mamas ou gajos. É melhor! A melancolia não leva a nada se não for usada com parcimónia. Ontem foi um dia complicado. Ou eu é que sou complicada, ainda não decidi... ou então eu sou simples e os outros é que são complicados... esquece!

Abobrinha disse...

Icon

Isso! A exortação aos crocodilos! Li aquilo bem. Agora que penso no assunto, fui ver a peça de teatro baseada no livro e estava bestial. Mas... esse senhor pode estar descansado que eu dele não leio mais nada!

Storyteller disse...

Saramago não é comigo. Mas li o Memorial do Convento...Quanto aos livros que deram filmes, adoro A Insustentável Leveza do Ser, do Milan Kundera. Grande livro!

Icon disse...

Storyteller: toda a gente fala nesse livro... parece que tenho que o ler... :S