Ontem anunciei que ia a Serralves ouvir uma conferência de Biologia. E fui. O que fiquei a faz até às 2 da manhã não vos interessa! O orador era Tim Crow, psiquiatra e investigador em Oxford. E tenho a nítida sensação que o tipo me enganou e que eu só comecei a pensar em perguntas para fazer depois de ter acabado a apresentação. Devido (possivelmente) à minha ignorância relativa na(s) especialidades que ele apresentou, mas também por ter a mania de ser lógica e de achar que os outros quando falam é para se entender a mensagem. Ou as duas coisas.
Vou correr o risco de escrever umas totozadas por realmente me ter passado qualquer coisa de muito importante ao lado (mas passaram muitas coisas ao lado, não nego!), mas acho que houve aqui coisas que não batem certo nem à lei da bala!
O e-mail de divulgação que recebi (mas já tinha os bilhetes comprados há muito) dizia: "Tim Crow, investigador inglês da Universidade de Oxford, vem a Serralves falar sobre "As Origens Genéticas do Homo Sapiens Moderno". Ge-né-ti-cas!!! Isto vai ser relevante mais daqui a pouco, mas a minha expectativa era a de uma qualquer lição sobre qual era a genética dos hominídeos da mesma linha, do furtivo neanthertal e outras que tais.
Como disse na brincadeira e na badalhoquice, a desilusão surge quando se cria uma ilusão. Neste caso não era uma ilusão mas uma expectativa fundamentada: prometeram-me uma origem genética do Homo Sapiens moderno! Mas o que recebi em troco de € 4.5 (tenho desconto por ser amiga de Serralves) foi o apresentar de uma teoria que me pareceu não ter grande nexo, ser por vezes despropositada e ter grandes saltos de fé! E vou tentar demonstrar isso, consciente de que posso apanhar uma grande abada por me ter falhado algo fundamental.
Podem encontrar aqui a página do Tim Crow em Oxford e aqui a da Wikipédia. O "resumo mais resumido" é:
"My research interests have been in the neural mechanisms of behaviour, and the nature and causation of psychosis. These two interests have overlapped. On the basis of certain key findings, my concepts of the nature of the problem of psychosis and the most relevant approaches and disciplines have evolved over time. Most recently I have become interested in its relationship to the origins of modern Homo sapiens and the evolution of language. Below I summarize the major areas of work and my current research interests."
Destaco que a origem do homem moderno é a última parte de um trabalho essencialmente de psiquiatria. A parte da genética, que me pareceu mal sedimentada (mas eu não sou a pessoa adequada para fazer esse julgamento) começa a fazer sentido. Mas é mais grave que isso.
O Tim Crow apresentou uma série de argumentos (o que eu chamo preliminares) acerca de como a linguagem definia o ser humano. Foi mais longe: se é o que nos define como espécie, a especiação do homem foi decerto algo que permitiu a aquisição da linguagem. Mas a hipótese (que me parece um pouco "ao dependura") não foi bem defendida nem do modo mais claro. Penso eu de que.
Depois falou de um conceito que não sei explicar a que chamou assimetria cerebral. O que eu pensei que era uma assimetria morfológica (pelo modo como apresentou um esquema de um cérebro em que a simetria não era total do lado esquerdo e direito, mas tinha umas bossas) passou a ser durante a discussão ou morfológica ou funcional (não deu bem para entender), por isso não me vou alongar. Sei que houve aqui um salto de fé que atribuí a eu não estar dentro do assunto. Sendo verdade, não era toda a verdade e não justificava tudo porque ele devia ter sido mais claro e não foi.
De repente a assimetria cerebral (recordo que não ficou claro o que era essa assimetria) explicava tudo desde a linguagem à esquizofrenia, psicoses e lateralidade. Mostrou que os chimpanzés não eram tão marcadamente dextros ou canhotos como nós, mas tenho dúvidas que um chimpanzé tenha tanta necessidade de escrever apontamentos de aulas (por exemplo). Explicava ainda (não sei como) a capacidade verbal.
Depois passou a como as mulheres tinham mais capacidade verbal que os homens, o que o surpreendeu muito. De onde se deduz logicamente que ele não sai muito e/ou não tem grande capacidade de observação. Esta parte é meio a sério meio a brincar: ficou surpreendido por meninas de 13 anos mostrarem claramente uma superioridade verbal em relação aos meninos da mesma idade. Ora isto até empiricamente se nota! Perdeu pontos logo aqui (e não é feminismo), mas já vinha em trajectória descendente.
E perguntam vocês: então e as As Origens Genéticas do Homo Sapiens Moderno??? Esta foi a pergunta que eu comecei a fazer a mim mesma a dada altura, porque a apresentação estava quase a acabar! Às vezes há preliminares a mais! No caso, os preliminares estragaram o efeito da coisa em si. Ou não, nem sei. Na volta foi o coisa e tal que era fraquinho mesmo!
Na Wikipedia diz o que ele tentou demonstrar resumidamente: "investigation of a gene (ProtocadherinXY) located on the X and Y chromosomes that has changed in the course of hominid evolution and may have played a particular role in the development of the cerebral cortex". Mas o que ele defendeu não foi um "particular role": o que ele disse foi que a especiação do Homo Sapiens se deveu a uma mutação NUM GENE!!! Esse tal, da assimetria (o que quer que ela seja), ou seja, o que possibilita a linguagem, que por sua vez define o homem. O que me parece um disparate: um gene???? Um único?
Pior que isso, não sabe o Tim Crow (nem ninguém, pelos vistos) se esse gene existia no Neanthertal (ele não sabia grande coisa sobre o Neanthertal, como se tornou óbvio pela presença de arqueólogos na plateia). Logo, se o que nos define como homem é a linguagem, o Neanthertal era homem? Era da nossa espécie? Possuía linguagem? Possuia o gene mas não a linguagem? Estranho! Muito estranho! Demasiadas pontas soltas! E depois voltamos ao mesmo: um único miserável gene de características obscuras caracteriza o homem? Parece-me... forçado! Não digo que não seja verdade (nem que seja verdade mesmo!), mas não me parece que tenha sido defendido da melhor maneira e da maneira mais clara.
Ainda tentou meter a selecção sexual ao barulho, o que também me pareceu forçado. Ou seja, coerente com o resto da apresentação.
Não fiz perguntas porque estas só me surgiram quando me apercebi que não compreendi coisas que não eram para compreender. Dito isto, não entendi coisas que ele disse por não ter conhecimentos para isso, pelo que é possível que grande parte (ou tudo) o que aqui escrevi seja um disparate! Mas queria partilhar isto com vocês. Abobrinha também é cultura! Mas não muita!
Uma nota final: pelos vistos foi anunciado em programas de rádio totozisses como "Tim Crow vai destruir a teoria de Darwin". O que só demonstra que há pessoas que obviamente não sabem ler. Ou pelo menos não sabem retirar informação do que conseguem ler, mas adoram um escândalo!
8 comentários:
Só agora é que vi a notícia no Público:
http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?url=%2Fmain2%2Easp%3Fdt%3D20071130%26page%3D6%26c%3DC
Destaco:
"Tim Crow é polémico, mas defende as suas ideias com uma calma e clareza que impressionam. [...] discorda da teoria evolucionista de Darwin como quem está a contar uma história às crianças."
O que o lixou em Serralves é que não havia crianças presentes. E um neurologista a dada altura trocou-lhe as voltas com pormenores que ele não dominava. Isto fora os arqueólogos!
"Parece estranho, mas a famosa teoria de Tim Crow envolve elementos aparentemente desconexos como a psicose e a evolução do homem moderno. O psiquiatra britânico propõe que a origem da maioria dos casos desta doença mental está associada à assimetria do cérebro, uma característica que também está especificamente ligada ao domínio humano da linguagem. "
Para quem não soube explicar o que era essa assimetria parece muito confiante!
E não sei se ficou claro que a assimetria (que não soube explicar) esteja relacionada tão claramente com a linguagem!
"O aparecimento da linguagem não foi gradual", garante o investigador, que põe assim por terra os dogmas darwinistas da selecção natural ao longo do tempo. Para Tim Crow, a capacidade do homem moderno dominar a linguagem foi fruto de um "acidente genético". Houve uma mutação (a translocação repetitiva do gene da protocaderina) há cerca de 150 mil anos e... tchanan! Um indivíduo do sexo masculino ganhou uma capacidade que nenhum outro tinha e, por isso mesmo, defende Crow, tornou-se um tipo mais interessante para as companheiras de caverna. "
Eu não digo que o tipo sai pouco? E não estou a ver onde é que isto choca com a teoria de Darwin. O que sei é que ele disse que isto tinha sido um salto evolutivo repentino. Não sei se foi competente a defendê-lo, mas eu não sou competente para entender tudo o que ele disse!
E erro genético tem um nome: chama-se mutação!
"Também ainda está por provar, por exemplo, que é o gene responsável pela expressão da protocaderina o responsável pela lateralização do cérebro."
O que é curioso é que ele jurou que era este o gene e mai'nada! Pareceu-me haver pontas soltas a mais!
Foste enganada...????
Nunca me enganaste.!!!!!
Pontas soltas?
Tá visto... e dizes que foste enganada?
Nunca me enganaste.
A ponta era tipo ganda noia?
E não topaste? Vás a todas....
Abobrinha,
Você continua uma máquina... a outra avariou ou já estava avariada?
Isto está um pouco apertado por isso deixo-lhe somente os parabéns e um respeitoso beijinho.
Parabéns!
Com Tranquilidade
Agradecidinha pelo elogio e por comentar no único post que não era fútil!
Eu não sou uma máquina: sou uma artesã à moda antiga! Mas com uma predilecção por cousas mecânicas e informáticas. E a precisar de moderar o consumo de café e de me ocupar com coisas mais úteis. Mas de momento isto está um bocado parado!
Eu sei q isto já se passou há uns tempos mas só agora descobir este post por acaso. Devo-te dizer q tb lá estive e q achei exactamente o mesmo q tu... e até mais. Por exemplo, diz q linguagem é uma característica exclusiva humana,mas não definiu o q é linguagem, nem se quer de forma fugaz. Mas perder tempo a explicar o abc da história das teorias evolutivas com a qual não fez qq tipo de relação no fim, isso perdeu. Quanto à questão do gene, a partir do momento em q lhe perguntam qual a função do gene e ele diz "não sei, pode ser qualquer coisa" o argumento dele torna-se automaticamente especulativo. Na verdade percebi (e depois de falar com um dos organizadores desses colóquios em Serralves) q era essa a ideia dele, simplesmente especular baseado numa série de constatações curiosas e correlações surpreendentes. Ora isto levou a situação engraçada q foi, qualquer pessoa q comentasse baseada na lógica receberia uma resposta do género "tem razão, mas isto é apenas uma ideia q eu proponho para ser refutada", q sendo uma especulação é algo muito difícil de fazer. Por outro lado, se alguém respondesse com uma especulação ao estilo, vamos pensar em todas estas situações hipotéticas e o q elas implicam para a sua teoria (como algumas pessoas fizeram), seria confrontado com a ira do Sr. Amorim a mandá-los calar pq estavam a ser especulativos e nao estavam a ter uma participação lógica.
Qto à destruição da teoria de Darwin, e o papel da selecção natural, etc., etc., eu acho q isso é fruto de ele ter sido convidado pelo Sr. Amorim, q escreveu "A espécie das Origens" com o argumento de negar a teoria de Darwin e a existência de selecção natural. Tal como a grande maioria das pessoas q afirmam destruir a teoria de Darwin, não apresentam nada dq destrua o q quer q seja, e nao apresentam sequer nada de novo. Mas como se direccionam para o grande público, podem afirmar com todos os dentes q são os primeiros a pensar assim e a destruir uma teoria (ou será hipótese) q já ninguém aceita na sua forma original literal.
Moura
Aha! Um dos que procurou Tim Crow e veio parar ao estaminé da Abobrinha! Se vens à procura de mais que disparates, tem alguns nos links à esquerda.
És muito simpático: chamas especulativo ao que eu chamo tentativa de chamar financiamento e mesmo tentar enganar o povo. Mas gostei da conferência porque saí de lá a pensar. No caso a pensar que o tipo era um bocado para o burro, mas é melhor que não pensar.
A agressividade do Amorim, de facto, surpreendeu-me. Do mesmo modo me surpreendeu a superioridade com que ele comenta certas coisas, como na conferência anterior quando o alemão (não me recordo do nome, mas está algures num post que não de porcaria) disse com elegância que não haveria uma relação só genética em certas doenças e que seria necessário estudar mais factores e relacionar e tal.
Não sei se o "eu não acredito que haja relação nenhuma" era uma afirmação de um ditador, de um sábio que sabe mais que toda a gente e nem se incomoda com fazer-lhes chegar o conhecimento porque nem vale a pena ou se era simplesmente a afirmação de quem se fartou de estudar e agora vive de rendimentos e prestígio (também se pode dar o caso de eu estar a ser completamente injusta). Em todo o caso, a maneira como ele fala não me agrada e nem sempre o que diz me convence.
A adulação do jornalista do Público também me aborreceu e devia ter escrito ao provedor do leitor a dizer que carago de estilo jornalístico é este. Não é para isso que eu pago o jornal!
O Tim Crow tentou jogar com muitas bolas ao mesmo tempo e parece-me que só conseguiu provar ao público mais ou menos esclarecido que não dominava nenhuma delas. O que me irrita é que eu me apercebi tarde demais que estava a ser enganada. É o preço a pagar por confiar nos outros. Nesse aspecto o desfiar infantil das teorias da evolução foi a prova: aquilo parecia um trabalho do 12º ano. Eu e uns amigos fizemos um nessa altura sobre neo-darwinismo (muito gostava de saber onde guardei esse trabalho) e tinha mais profundidade que o que ele apresentou (mas agora já deve ser tudo mentira). Pelos vistos cada qual é para o que nasce!
Vai voltando. Depois conto a minha perspectiva da conferÊncia de hoje. Parece-me ser uma pessoa mais inteligente.
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