domingo, 13 de julho de 2008

“No tempo do Salazar é que era bom, havia respeito e as coisas funcionavam em condições...

... ainda há quem diga mal do Salazar, que era um grande homem! No tempo dele vocês andavam todos direitinhos, não é como agora que andam aí todos desorganizados e com as costas ao alto! Pois é, no tempo do Salazar é que era bom! Ah, pois! Foi só chamar o patrão que agora até corre tudo! Vocês precisavam era do Salazar, que era um grande homem! Só tenho pena foi da fome que passei nessa altura!”

Não sei quem disse isto. Não sei se era branca, se era preta, alta ou baixa, gorda ou magra, mas espero que fosse muito velha e estivesse completamente com os pés para a cova, que é para eu não ter que a ouvir mais. Nem eu nem ninguém. Não olhei para ela para não ter a tentação de olhá-la nos olhos, esquecer o respeito por uma pessoa mais velha e dar-lhe a respostada que ela merecia ou um par de chapos. A senhora quase tinha um orgasmo múltiplo em público a dizer aquelas alarvidades. Não sei o que a afligia (fora burrice aguda e falta de educação), mas aposto que saiu curada.

A cena passou-se quando fui fazer uns exames a uma clínica e onde pelos vistos se acumularam algumas pessoas no balcão. De facto o balcão não era o mais eficiente, mas nada que justificasse aquele desabafo fascista e não se resolvesse como resolveu: chamando as chefias ou só pedindo com jeitinho.

O facto em si não seria relevante e não me preocuparia se não fosse já uma tendência: tenho lido reinterpretações da História que me deixam de boca aberta, de pessoas novas e velhas, com e sem estudos. O que reforça a minha ideia de que todos os livros de História deviam ser queimados e todos os docentes da disciplina e historiadores deviam ser despedidos e começar a trabalhar no McDonald’s ou a plantar batatas, por exemplo, onde seriam mais úteis à humanidade*. E porquê? Porque foram incapazes de fazer o seu trabalho e mostrar às pessoas o que realmente foi a História. Em vez disso, cada qual lembra-se do que quer e como quer e reescreve o que não se passou de forma romanceada. Um perigo!

De qualquer modo, passava-se fome na altura do Salazar, mas não havia colesterol nem tensão alta. A parte realmente boa é que aquela senhora possivelmente estaria caladinha no tempo do Salazar. Ou morta há muito tempo. De fome ou necessidade de outra coisa qualquer que o nosso tempo e a liberdade conquistada por pessoas com as suas falhas mas uma grande coragem lhe proporcionaram.

É triste que se suspire por salvadores da pátria. Quando eles não existem ainda é naquela; quando existiram e comprovadamente não o foram ainda pior. É triste que quem manda não sinta o pulso ao povo e não lhe sinta o descontentamento e todas as suas consequências. Não só neste país, estou em crer. Diz a História que este é o tipo de atitude que pode dar asneira... mas esta gente parece que não aprende e tem estudos para mais!

A parte boa é que os exames que fiz me revelaram que eu não vou morrer. Nunca! Mesmo nunca! Vou viver para sempre! Milagres da Medicina moderna! Adoro médicos! Mas só os que dão boas notícias. E fiquei toda besuntada com gel de ecografias. Não sei a relevância, mas há-de fazer bem à pele! Acho! Também fiquei um pedaço mais leve... infelizmente a perda de peso foi muito localizada e limitou-se essencialmente à carteira e à meia dúzia de gramas que perdi por estar sem comer um monte de tempo.

Morte ao Salazar!


* Espero que seja óbvio que isto é uma demonstração do meu exagero.

8 comentários:

Break Silence disse...

Realmente salvadores da Pátria já não existem. Mas uma coisa devo reconhecer, o nosso pais está mal, bastante mal.
As paixões pela educação. os choques tecnológicos e eléctricos em nada deram.
Cada vez ganhamos menos, cada vez se fala mais na educação e na qualificação, mas se um adulto de 32 anos (como eu) quiser tirar um curso superior a noite, vai ter bastantes dificuldades.
Quem em termos de horários (sim eu sei posso sempre ir para as privadas) quem em termos de integração posterior no mercado de trabalho.
Enfim, temos o que merecemos, até porque somos nos que votamos nos políticos.

P.S. - Ao contrario do que possa parecer ate sou socialista :S

Abobrinha disse...

E algum dia existiram salvadores da pátria?

Estou tentada a dizer que nunca foi tão fácil entrar no superior fora dos canais normais. Ser mais fácil não significa que seja fácil, claro! Toda a sorte do mundo!

O país está mal, mas não é só o nosso. Mas não é assim que se resolvem as coisas, com o pensamento mágico em salvadores da pátria e Histórias imaginadas. Para tudo a solução é a realidade e não a ilusão. Porque a ilusão pode dar asneira grossa.

Break Silence disse...

Abobrinha estou de acordo contigo no que dizes.
Só não vejo e uma solução, real ou magica que resolva a situação em que o mundo se encontra.

Abobrinha disse...

É preciso tempo, realismo, trabalho árduo e planeamento correcto e longo prazo... vamos a ver! E ensinar História como deve ser para eliminar a tentação de cortar caminho por soluções que comprovadamente dão asneira.

ablogando disse...

Tazaver, tazaver?! Afinal era mesmo tudo... cagaço!
Quanto ao Salazar: quando era jovenzinho, tive a sorte de passar duas noites a cavaquear com alguém, já na casa dos oitenta, que tinha conhecido pessoalmente o homem e a quem ele chegou a nomear para um cargo não governamental, mas de grande importância económica. Além disso, conhecia igualmente parte do círculo das pessoas mais da confiança dele e, como também foi jornalista de uma agência internacional, estava a par de coisas que por cá não se sabiam.
O curioso é que, tal como num outro caso de que eu tive conhecimento por portas travessas, através de familiares meus, essa pessoa era da oposição (o Salazar sabia-o, mas sendo um extraordinário intriguista, conseguia manobrar parte dele, valendo-se das vaidades ou das situações pessoais). Isso fê-lo ver as coisas com um olhar mais crítico.
Foram duas noites de Verão inesquecíveis, a conversar na varanda da casa de um amigo meu com vista sobre o Tejo (Lisboa, para mim, nunca mais foi a mesma), com a História a ser vista na interacção entre o pessoal e público (essa pessoa também esteve muito próxima dos círculos do poder dos primeiros anos do pós-25 de Abril).
Nem sabes o que aprendi nesse aspecto! E em como o sinistro é indissociável do caricato. E o que a senhora teria aprendido também, se lá tivesse estado. Ou não.

Patrícia Grade disse...

só por esta e também por outras, devo dizer-te que o mais fácil que existe é manobrar as pessoas, sobretudo quando elas estão a olhar para um ponto só - o seu umbigo.
Já alguma vez reparaste que quanto mais perto estás daquilo que queres ver, pior o vês? E se te afastares vês a imagem geral?
O que falta hoje em dia é mesmo isso, que as pessoas abram os olhos para além daquilo que lhes afecta o próprio umbigo, mas isso é dificil, por várias razões.
http://www.storyofstuff.com/
vai ver, tem uma boa, muito boa explicação para tudo isto que se passa. Talvez fosse bom mais pessoas verem também, ajuda a dar um passo atrás e vislumbrar para lá das aparências...

p.s. - um beijo repenicado cheio de saudade!

Abobrinha disse...

Joaquim

Bem, isso é que se chama ser privilegiado! Isso é o tipo de coisas que têm que ser passadas a escrito, para que a História não se extinga e com ela a memória do que foi e o que não foi.

A senhora não aprenderia nada: não lhe interessaria. O pior é que só lhe interessava ser atendida e vai invocar o santo nome de Salazar! É que nem adianta!

Pela parte que me toca, uma face de Salazar que eu nem me importaria de conhecer e que é mais ou menos reveladora do que o homem era seria a que escreveu a Micas num livro que eu apresentei há muitos posts atrás. Acho que revela o quão parolo e mesquinho que ele devia ser. E caseiro demais (criava galinhas na residência oficial!!!) e dominado por uma empregada doméstica. FOi essa a impressão que me ficou. O que contrasta com o que queria ser presidente de um império e machista dominador.

Com todos os defeitos que têm os nossos políticos, acho que o nível subiu muito!

Abobrinha disse...

Indomável

Que saudades, moça! Olhar só para o próprio umbigo pode ter consequências graves. Está em todos os livros de História para quem quiser e souber ler!

Vai aparecendo!