domingo, 13 de julho de 2008

O império dos sentidos

Hoje ao fim da tarde fui a uma esplanada onde costumo ir. Quase toda a gente já tinha debandado da enchente de domingo à tarde, pelo que disfrutava de uma espécie de exposição pública com privacidade em virtude da falta de audiência. Sentia-me melancólica, como me sinto frequentemente em fins de tarde com a luz a diminuir.

Os sentidos completamente alerta apesar de uma sonolência característica de fim de fim de semana. Os olhos sorviam com prazer o resto de sol, já em tons de laranja antes de se ir aninhar no mar para acordar com toda a força amanhã, dia de trabalho e dar energia e boa disposição a quem trabalha.

Senti cada um dos tons da bebida que pedi, assim como o frio do copo que me beijava as pontas dos dedos e os lambia com a condensação fria e húmida. Soube-me bem. Ouvi com prazer todos os ruídos que diminuiam de intensidade em virtude da acalmia causada pela proximidade da hora de jantar.

Centrei-me no olfacto, um sentido subtil e frequentemente esquecido, sublimemente explorado no genial "O perfume" de Patrick Sueskind, a história do horrível Grenoille. Eu cheirava intensamente a protector solar e vagamente a um dos 50 cremes que coloco nas trombas e restante pele para que esta se esqueça que chegou aos 30 há um tempo e tente ficar mais ou menos onde estava ou menos. Vá ou não à praia, coloco sempre protector solar porque gosto do cheiro e gosto do sol, mas protejo-me dele.

Relaxei os outros sentidos e concentrei-me quase exclusivamente no olfacto. Senti um cheiro a mar e veio-me a nostalgia de quinzenas de praia no Algarve que a minha família fazia antes de ser prática comum. Abrindo as narinas, muito ao estilo Grenoille, o génio maligno do olfacto senti a essência de algo que revirei a minha memória para tentar localizar. Ah! Era certamente o cheiro de um búzio, ainda com o cheiro a mar, a caravelas afundadas com tesouros incalculáveis e grandes aventuras épicas.

Talvez uma lembrança trazida da praia por uma criança que mais tarde, quando eu for velhinha e tiver (mais) cabelos brancos, recordará com idêntica nostalgia os cheiros e sabores do mar e sol. E assim estava a sonhar com tesouros escondidos nas profundezas do mar, sereias e dragões quando sou despertada pelo dono do café que começa a conversar comigo.

- Está aqui um cheiro intenso ainda. É que um dia destes morreu um gato no jardim aí ao lado e ainda cheira um bocado. Não te incomoda?

Envergonhada, paguei à pressa e saí da esplanada. Dois pensamentos: tentar mandar calibrar o olfacto e não tentar arranjar um emprego na indústria de perfumes. A não ser que o aroma a gato morto seja a próxima tendência.

22 comentários:

Requiem disse...

Há gajos que sabem mesmo bem estragar a contemplação da malta...

Ou isso ou o teu protector solar cheira a gato morto.

Abobrinha disse...

Requiem

O meu protector solar cheira bem. O meu nariz é que precisa de ser calibrado, obviamente!

E sim, há quem saiba estragar a contemplação de uma gaja. Gajos... que raça!

Break Silence disse...

Lolol oh Abobrinha tu so me poes a rir hehehehe
Manda la calibrar melhor a coisa.
Beijoca

Abobrinha disse...

Break Silence

Andas com más companhias, homem! Há montes de gente que faz me rir. Rir com eles ou rir deles! É só ter vontade.

A propósito de um post pessimista do Requiem, onde ele questiona se deve ou não continuar com o blogue (dúvida que eu mesma já tive várias vezes), eu digo já uma vantagem de continuar com o meu: arranjo pretextos para partilhar estes pequenos momentos e vivê-los duas vezes e um pedaço mais coloridos do que na realidade foram.

Por ter posto pessoas a rir já valeu a pena ter snifado o raio do gato morto. Gatinho, onde quer que estejas, no céu dos gatos, ficas a saber que o teu atropelamento fez sentido na ordem natural das coisas! Ora aí está um pensamento reconfortante.

Break Silence disse...

Looooolllllllllll

Parece que anda tudo a pensar fechar os estamines. Eu proprio tive o meu parado alguns meses, e quando regressei a ele regressei com uma nova linha.
Lá ver se desta o consigo manter mais tempo.
Beijoca

Abobrinha disse...

Break Silence

Este blogue, como todos os outros, há-de morrer de morte natural. Mas não há-de ser para já!

Longa vida aos blogues, mas sobretudo à boa disposição!

- com - da + disse...

Abobrinha,
digo-te eu que dirijo um laboratório de metrologia: não confies nos narizes dos homens; Estão sempre descalibrados!

Abobrinha disse...

- com -

Ai, mas que chiques que somos! Muito bem!

OK, o meu nariz não estava descalibrado: tenho a certeza que alguém virou água do mar e areia cheia de conchinhas no sítio do gato morto! Por isso é que me cheirava a mar e a poesia e a sereias. Ou isso ou as sereias cheiravam mal da sovaqueira (porque chulé quer-me parecer que estava fora de questão).

Abobrinha disse...

O que eu não acho normal é ninguém ter pegado comigo por causa do título. Tipo terem-me processado por publicidade enganosa.

Joaninha disse...

HAHAHA!

Só tu! MAs que belissima peça de literatura que aqui temos ;)

- com - da + disse...

Abobrinha,
não duvides!
Só um homem pode ter o nariz tão descalibrado ... tão descalibrado ... a ponto de haver mercado para isto

Joaninha disse...

- Com -;

Por favor diz-me que isto é gozo!

Ok tá tudo doido!

Abobrinha disse...

- com - dá +

Isto não merece um comentário, mas um post! Tenho é que estar inspirada! Vamos lá ver como está calibrado o badalhocómetro da Abobrinha... here we go!!!!

Abobrinha disse...

Joaninha

Claro que é gozo... de uma maneira ou de outra!

Anónimo disse...

Joaninha,
é como vês! Podes encomendar à cobrança. Ofereces ao "mais que tudo" e é sucesso garantido ;-)

Anónimo disse...

Courgette,
lê os testemunhos. São deliciosos!
E as meninas, hein!?, era impossivel arrajarem melhor ;-)

Joaninha disse...

OS testemunhos são uma delicia!

Abobrinha disse...

- com - dá +

As fotos são demais! Tão... sei lá, falta-me palavras!

Estou a tentar arranjar material para um post à volta disso, mas vai dar o seu trabalho. Só gostava de saber a composição daquela coisa... será gato morto?

Anónimo disse...

Pois é abobrinha, tambem já me questionei sobre a composição da "coisa". E com o passar do tempo? não ficará um odor mais refinado ? :-S

- com - da + disse...

Courguette,
Descobri! Não é gato é rato(a)!

Se não quiseres calibrar o nariz podes sempre adquirir um olfactómetro, ou até fazer um

Anónimo disse...

A malta brinca mas o assunto é mesmo sério

Abobrinha disse...

- com - dá +

Bestial! Ajudaste-me na minha pesquisa! Isto merece um post que não uma rapidinha. Ou mais.

Também estou apostada em provar como o CO2 é uma molécula apolar... mas isso já é outra história. Mas garanto-te que é uma molécula apolar, digas tu o que disseres!