Antes de mais faço notar que este post pode ser alterado amanhã ou depois. É que está a ser escrito em "escape livre" e pode não ficar do meu agrado ou demasiado superficial.
É sabido que aqui a cabeça de Abóbora volta e meia vai ver filmes alternativos. Já aqui descrevi um par deles (classificados em "cinema") e tanto quanto me lembro gostei de todos os que aqui descrevi. O cinema alternativo também me tem feito chorar dinheiro deitado fora (fora gasóleo), mas se uma pessoa não se arrisca também só vê porras mais ou menos Hollywoodescas. Não sendo bom nem mau, nem sempre me satisfaz e eu ando com falta de paciência para coisas demasiado convencionais.
Fui ainda ver o Darjeeling Limited, mas isso fica para outras núpcias. Mas fica o aviso aos meninos que é uma excelente oportunidade de durante 5 segundos ver a Natalie Portman de meias... só!
Persepolis é a história de vida de Marjane Satrapi, uma artista iraniana com 38 anos e uma mulher linda, como tenho ideia que todas as iranianas são. Faço notar a idade, dado que Marjane é contemporânea de muitos leitores deste estabelecimento (não muito distante da minha idade). A semelhança e diferença da vivência dela em relação a nós faz-me pensar.
Marjane nasceu numa família moderna, educada e politicamente activa, com ligações à esquerda. Em criança viajou para a Europa, foi fã do Bruce Lee e do tio que lutou contra o Xá da Pérsia. Tinha como ambição de futuro ser profeta e depilar as pernas.
Em criança ainda, respirou o ambiente revolucionário que levou ao derrube do Xá da Pérsia, o que incluiu ouvir falar de prisões e torturas na primeira pessoa. Tudo levado com naturalidade, encenando manifestações proletárias no seu quarto e soltando uma exclamação de admiração perante a prisão do seu tio ter demorado mais tempo que a do pai de uma amiga. Seria certamente mais revolucionário!
Criança assiste ainda incrédula à prisão e assassinato político do seu tio (manda Deus embora da sua vida temporariamente, por não ter feito nada), que tanto admira, à revolução islâmica que a cobre de cima abaixo com um véu que não pode mostrar os seu lindíssimos cabelos negros, à guerra Irão-Iraque que leva uma fatia muito grande da juventude do seu país e do vizinho sem que se saiba sequer bem porquê e ao clima de medo interno que faz com que amigos e vizinhos sejam presos e mortos. Ao mesmo tempo viveu festas, álcool e tabaco dos pais proibidos pelos revolucionários (e diligentemente escondidos), ouviu Bee Gees e Abba escondidos nas vestes de corvo que a obrigavam a usar e comprou Iron Maiden no mercado negro com dinheiro emprestado dos pais.
Ser refilona e contestatária pode ser um problema numa república islâmica, pelo que é mandada para Viena para estudar. Marjane identifica-se com os contestatários na escola francesa de Viena, como seria de esperar. Mas contestatários só à superfície: todo o estilo é pura má língua e não ter mais que fazer. Não é ser contestatário nem anarquista: é estar aborrecido! Num desabafo Marjane põe tudo em perspectiva: "sabiam que há pessoas que dão a sua vida pela liberdade?". Ela sabe: alguns são da sua família, outros amigos da família.
Cresce e faz-se mulher no meio de uma crise de identidade típíca de adolescente, mas agravada pelo facto de estar numa Europa despreocupada e frívola (como uma sociedade saudável deve ser) mas não se sentir dali. Muda-se de casa várias vezes até aterrar na casa de uma vienense que vive com um cão escanzelado, estúpido todos os dias, que não está familiarizado com o conceito de casa de banho e que lhe monta a perna. À falta de melhor, serve, mas acha que há algo de profundamente errado com aquela mulher.
A sua beleza não deixa indiferentes alguns jovens. Enquanto um descobre que é homossexual graças a ela, outro perde-se de amores por ela... até que ela o descobre na cama com outra, o que lhe deixa o coração despedaçado. Marjane, que sobreviveu a uma revolução, a uma guerra e a um choque cultural, quase morre do abandono a que se votou devido a este desgosto de amor e da bronquite que contrai depois de 2 meses na rua no Inverno.
Volta a casa, depois das promessas dos pais de não lhe fazerem perguntas. O regresso a casa implica olhar para trás e cair numa depressão profunda, da qual sai com a ajuda de medicamentos e de fazer as pazes com Deus.
A vida na Faculdade de Teerão como aluna de artes é complicada mas curiosa: como é que se aprende a desenhar um nú feminino coberto de cima abaixo com um pano preto? Marjane não perdeu a mania de ser refilona e questionar a autoridade de professores. Numa cena bestial, levanta-se a protestar contra véus mais longos e vestidos mais largos, argumentando que como estudante de artes necessita de liberdade de movimento e que os colegas homens têm toda a liberdade para usar seja o que for, o que lhes pode dar a volta à cabeça. O que, atendendo a que a moda é roupa tão justa que faz quase falar fininho, é chato.
Isto é uma coisa, mas dar a mão em público a um homem que não é da sua família daria direito a umas vergastadas ou a uma multa. Paga a multa, decidem que a solução é casar. Assim, sem mais. O que se revela um erro, dado que o marido é um totó e ela não teve tempo para verificar isso dado o pouco tempo que teve para o descobrir.
Marjane desfruta de uma liberdade clandestina, indo a festas proibidas, pelas quais arrisca a vida. Esse risco revela-se mais que teórico para um amigo que morre a fugir da polícia a fugir de uma festa onde não era suposto estar com mulheres. Nessa altura decide divorciar-se, por recomendação da avó progressista e que encara as coisas com uma naturalidade e rigor desarmantes. A única coisa que pede a Marjane é que seja íntegra nas suas escolhas, porque temos sempre escolha.
A avó é uma figura marcante em Marjane. É a senhora sempre bem arranjada e bem cheirosa. Cheira sempre bem porque todos os dias colhe flores de jasmim e os coloca no soutien, flores que caem todas as noites magicamente quando o tira para dormir. Tem os seios firmes porque os mergulha todos os dias durante 10 minutos em gelo. Odeia o regime que impõe tantos limites de liberdade às mulheres. E diz com um desarmante naturalidade à neta que o primeiro casamento é só para que o segundo dê certo.
De novo se decide que não há ambiente para que Marjane fique em Teerão e ela vai para França, onde acaba a história.
Marjane não vai a Teerão desde 2000 e não volta porque não sabe o que aconteceria. Tem toda a família no Irão e não quer falar em voltar.
Esta mulher é muito parecida connosco na maneira de pensar. E conseguiu ser quem é num regime horrível e sanguinário, sob orientação de uma família progressista. Penso no que seria se não tivesse crescido em liberdade e no que da sociedade me prende ainda. Não tenho ilusões nem nunca tive de que nasci numa altura privilegiada e num país igualmente privilegiado, com liberdade. Não tomo a liberdade por garantida e aborrece-me que haja quem veja radicalismos ideológicos e/ou religiosos com liberdade.
Tenho uma simpatia que não consigo explicar pelo Irão e pelos iranianos e este filme permitiu-me duas coisas: aprender mais sobre uma outra cultura e aperceber-me da minha enorme ignorância sobre a história e cultura dos outros. Eu, que digo como piada que a História é uma Ciência inútil porque não se aprende nada (dado que se repetem os mesmos erros vezes sem conta), reconheço que é necessária para compreender o que somos e para onde vamos. Para dar valor ao que temos, relativizando-o. E nós somos privilegiados! Com toda a crise económica (aliás, uma constante em toda a História, alternando com períodos de abundância), com todos os limites de liberdade, somos livres! A maioria da população mundial de hoje e do passado não pode gabar-se do mesmo.
Só para descontrair, o filme tem ainda a pior interpretação de "Eye of the tiger" de todos os tempos, a banda sonora da recuperação de Marjane da depressão pós-Viena. O que não é propriamente surpreendente, dado que a voz de Marjane no filme é da Chiara Mastroianni, que acumula funções como filha de Catherine Deneuve e Marcelo Mastoianni (prova de que dois pais bonitos não fazem necessariamente filhos bonitos) e totó como o mau gosto de fazer um filme de Manoel de Oliveira em que também entra o Pedro Abrunhosa (a carta, 1999). Pior ainda, não sabe a diferença entre um sinal de beleza e uma verruga no queixo!
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3 comentários:
Bluegift
Eu sou do grande Porto, por isso não vou ao King e ao Nimas.
Eu também consumo coisas mais convencionais. Um dos melhores filmes a que assisti foi o ases pelos ares 2: estava com o cérebro em curto-circuito, pelo que precisava de piadas imediatas e foi isso que tive. Missão cumprida, adorei!
Este filme por acaso vi no AMC Arrábida (20 salas, roam-se de inveja, lisboetas!). Os sítios para o cinema alternativo no grande Porto são por vezes o Arrábida, o CC Cidade do Porto (aka BOm Sucesso), a sala do Teatro de Campo Alegre e uma outra sala em Campo Alegre que me falha o nome. MAs há mais sítios e temos agora o Fantasporto a começar.
E eu avisei que já chorei dinheiro de muito filme pseudo-intelectualoide.
Desisto de tentar alterar este post: não faz justiça ao filme. É melhor irem ver o filme e depois opinarem.
Pois, 38 está perto da tua idade... eu diria que são as velas do próximo bolo!!! :D
E grande Porto, já vi. Para Norte, para Sul ou interior?! O metro até já quase chega cá, fica apenas a meia dúzia de quilómetros. Are we so near, sweet Dear?! ;)
Mas nem cinema nem arte são a minha linguagem. De resto, de uma forma geral prefiro tudo o que seja sereno e reflexivo. Ou humano, no sentido mais profundo da nossa identificação com esse lado que evoluiu da pura animalidade ou luta pela existência, até algo mais substancial e conforme à una essência.
De resto, está visto que gostaste, se tanto aqui elogiaste!
Por fim, não lamentes tanto as despesas, pensa em grande mesmo que moderes de forma equilibrada os teus gastos. Mas as preocupações obsessivas não são positivas, e palavras e pensamentos também têm massa e gravidade...
Rui leprechaun
(...menos que essa bela e tenra idade! :))
PS: By the way... alarme tem um significado positivo?! I know nothing at all about woman's soul... more unhuman than a troll!!! :D
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