quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Tempo para tudo

O tempo não cresce nas árvores. Não se compra, não se reproduz. Simplesmente passa. Uma vida tem (em média) 80 e tal anos, mas o tempo não é sequer passado de igual modo nesses 80 e tal anos. Cada idade tem as suas especificidades: não se vive a adolescência aos 50 e não se deve ser velho aos 20. Porque não deve ser assim.

Há prazos para tudo, mas mesmo assim parecem passar de modo diferente. Os tempos certos de fazer as coisas não dependem de quem os vê, mas da circunstância em si e de quem se tem do outro lado:

- Há um tempo para dizer "amo-te". É que ninguém espera para sempre (ninguém com juízo); há um tempo para dizer "desculpa" e normalmente é mais ou menos a quente. De outro modo pode soar a falso, a ter simplesmente esperado que a coisa passasse para não levar com nada enquanto queria dizer alguma coisa. Ou a nervos e consciência pesada. Não é claro qual das opções.

-Uma mulher só pode ter filhos até aos 40 e tal (ou menos) e sente cada dia passar até à menopausa (o dia do "nunca mais", do "esgotou-se o tempo"); um homem, em teoria pode ter filhos até morrer. Mas se os tiver a partir de uma determinada idade nem sequer vai ter muito tempo para os viver. E não tem menopausa.

- Há um tempo para ver se um amigo precisa de ajuda. Se for tarde demais, ele já não precisará, por um motivo ou outro. Há um tempo certo para sacudir um amigo que está a enterrar-se em sentimentos de pena de si mesmo. E defini-lo é complicado!

- Há um tempo certo para chorar uma relação desfeita, seja ela qual for. Prender-se tempo a mais ao que não foi é doentio e pode impedir-nos de viver. E impedir-nos de viver, dada a nossa finitude, é a pior das crueldades.

Há já meses escrevi neste post que se me tivesse metido pelo mar adentro em Junho demorariam a dar pela minha falta. É verdade! Para ser concreta, demorariam 12 horas, que era o tempo de eu ir trabalhar. Menos se me ligassem e eu não atendesse. Já estaria algures a fazer parte do grande oceano, mas haveria quem chorasse por mim, quem desse pela minha falta. Foi mais coisa menos coisa o que sucedeu a uma pessoa que me era muito próxima: desapareceu deste mundo, mas sabe que foi muito amado enquanto cá esteve. Sabia que o iam procurar, quando, e certificou-se com sucesso de que era tarde demais. Sinto a falta dele.

12 horas é muito tempo para se detectar a nossa falta? Depende! Para uma mãe ou pai de família o tempo certo seria aí 2-3 horas, ou seja, 4-6 vezes mais rápido que para mim. Quanto tempo é muito tempo para se sentir que alguém possa ter desaparecido? 1 semana? 1 mês? 2 meses? E... 8 meses?

Quando escrevi o post solitário/melancólico da praia estava já este senhor morto e bem morto. A cheirar mal! Já não pagava renda há um tempo. Depois desse post o homem continuou. Morto. Eu fui de férias e voltei. Voltei a ir de férias e a voltar de novo. Gastei toneladas de gasóleo e emiti os respectivos gases de escape para a atmosfera, contribuindo para intensificar o efeito de estufa, enquanto ele ia emitindo maus cheiros diversos. Morto. Ocorreu uma pequena revolução na minha vida e ele... continuou morto, como os mortos continuam depois de... mortos! Que é isso que fazem os mortos. E ninguém o procurou! Apesar de ele ter morrido em Março.

Na realidade, este homem de 57 anos (é mais novo que o meu pai!) só foi encontrado porque a administração de condomínio contactou um filho (!!!) que então se dirigiu ao prédio, rebentou a porta e viu que o pai estava. Morto. Muito morto.

Em 8 meses ninguém lhe ligou? Não é tempo a mais para se procurar um pai, um tio, um primo, um amigo? Mas que diabo se passou aqui?

Estranho como possa parecer este post, não é um post triste: 12 horas parece-me mais ou menos bem. E sei que me sentiriam a falta. A tal rede social e relacional que me sustenta e de que se falou há uns dias funcionaria. Por grande que possa parecer a tragédia da minha solidão por vezes, há que pôr as coisas em perspectiva.

A solidão assusta-me, como assusta todos. Mas há que não se sentir completamente engolido por ela. Não vale a pena! Não é assim tão grave, embora por vezes possa senti-la muito intensamente!

Um destes dias tenho que ir de novo ao mar, molhar os pés de novo. E daí... é melhor não, porque senão sentem a minha falta passadas as tais 12 horas. Mas aí será para receberem um telefonema de uma voz de pneumonia a dizer que não dá para ir trabalhar durante no mínimo 1 mês! E 1 mês na cama é tempo a mais!

22 comentários:

Salto-Alto disse...

Fogo, tantos meses? E ninguém deu pela sua falta?

Isto é muito triste, mesmo muito triste.

A solidão assusta-me imenso, porque estou habituada a estar rodeada de amigos e familiares.

Beijinhos querida, que não estás só! Pelo menos tens-nos a nós, embora não valhamos de muito na vida enquanto bloguistas.

Salto-Alto disse...

Atenção, quando disse "embora não valhamos de muito na vida enquanto bloguistas" queria dizer, na vida pessoal das pessoas cujos blogues comentamos, claro.

Sadeek disse...

Isto realmente tem um ar mórbido que é qualquer coisa...chiça!!!

Ó Abobrinha...ás vezes temos surpresas....talvez fosse bem menos que as doze horas que falas e imaginas...é que gente com tão mau feitio o pessoal nota logo quando não está presente... ;)

BEIJOOOOOOOOOOOOOOOO

GATA disse...

Lá venho eu com o meu 'egoismo'... :-)

Eu apenas me preocupo com quem eu sei que se preocupa comigo, os restantes são-me indiferentes. E quanto à solidão... há uns largos anos, sozinha a estudar em Madrid, aprendi que a solidão não é quando se está sozinho, é quando se está rodeado de gente! (think about it!)

GATA disse...

Ah, já 'desfilei' a história da zona proibida do cemitério judeu na minha 'passerelle'... :-)

Turrinhas!

ML disse...

Estas noticias mexem comigo!

Sad... Sad... Sad...

Blondewithaphd disse...

Olha, só o melhor que eu aqui li! No comments.

NI disse...

Abobrinha,

Se tivesse que eleger a notícia que ontem mais me impressionou seria esta.

Faz-nos reflectir e, provavelmente, chegámos à conclusão que não estaremos tão sós quanto às vezes nos sentimos.

Bjs

Nota -Gostei particularmente deste post

Abobrinha disse...

Salto-Alto

Algo de muito errado se deve ter passado ali porque realmente não é normal. Nada normal!

A conclusão a que cheguei precisamente é que a minha solidão e a da maioria das pessoas é perfeitamente normal e mesmo desejável por vezes, para fazer um ponto de situação. Um pouco de introspecção (que eu faço regularmente)... mas não deixar nunca prolongar e sobretudo nunca deixar que deixem de sentir a nossa falta. É que eu posso mesmo dizer que isto NUNCA me acontecer. Eu não estou patologicamente sozinha!

Acho que posso também assegurar que se fosse vizinha desta pessoa, pelo menos pelo cheiro daria conta! Mas as pessoas precisam de repensar seriamente o conceito de vizinhança! Mas sei que se ficar de novo fechada do lado de fora da varanda já tenho quem me salve e como! E sei porque o verifiquei experimentalmente!

Por outro lado, já viste que se acha que não pagar renda 8 meses é normal? Isso também é triste! E passar por caloteiro depois de morto!

Abobrinha disse...

Sadeek

Lá está: no máximo demoraria as 12 horas, mas não mais que isso... quem é que não ia dar conta da falta da minha personalidade magnética e genial?

Olha que já pouco me surpreende!

Abobrinha disse...

Gata

Não acho que o teu egoísmo seja egoísmo de todo! Eu não faço ideia de quem era o homem ou mesmo se ele terá feito algo que tenha contribuído para isto (porque não é normal nem aqui nem na China). Mas com a experiência dos outros aprendemos para nós: é das maravilhas de viver em sociedade.

E sim, acho que a solidão vem muito de dentro. Estou a lutar com essa mesma solidão e de vez em quando perco algumas batalhas. Mas acho que ganharei a guerra!

Abobrinha disse...

ML

Benvinda. Não te deixes impressional: normalmente não se aprende aqui nada.

É triste, mas por outro lado isto é um caso extremo. Não é normal, por isso choca tanto. Se se achasse normal é que seria mesmo grave!

Volta sempre!

Abobrinha disse...

Blonde

Bah, eu gosto mais dos meus posts mais animados e gostaria de estar a escrever uns desses. Fica para outro dia.

Abobrinha disse...

NI

Ainda bem que compreendeste que este não é um post pessimista. De uma maneira estranha é mesmo optimista! Põe tudo em perspectiva.

Beijinhos

Sadeek disse...

Eu dava logo pá... ;)

BEIJOOOOOOOOOOOOOOOOS

Sadeek disse...

Eu dava logo pá... ;)

BEIJOOOOOOOOOOOOOOOOS

Sadeek disse...

Até dei a dobrar...e tanto que eu gosto...AHAHAH

BEIJOOOOOOOOOOO

Abobrinha disse...

Sadeek

Não percebi: o que é que gostas de dar a dobrar mesmo? É que eu sou muito inocente!

Francisco o Pensador disse...

Esse filho pode não ter sentido o/a interesse/necessidade de procurar novidades do Pai durante esses últimos 8 meses, mas tenho a certeza que a partir de agora, a visão do seu Pai em estado de decomposição vai acompanha-lo o resto da sua vida...

Abobrinha disse...

Pensador

Infelizmente consigo pensar em muita coisa que justifique o que sucedeu e pode ter sido mais ou menos culpa do senhor que morreu. Ou não, claro. Possivelmente o filho pensou durante 8 meses que o pai não lhe quereria falar e até teria desligado o telemóvel para não falar com ele.

Mas realmente o resultado final foi o que se soube. Há que aprender com estas coisas e não ficar simplesmente chocado!

Sadeek disse...

Não puxes por mim...pleeeeeeeease...que mim não aguenta... ;)

BEIJHOOOOOOOOOOOOOOOO

Abobrinha disse...

Sadeek

Da última vez que puxei por ti postaste uma foto do teu rabo. Estou curiosa para saber o que acontece se puxar por ti agora. Diz láaaaaaaaaaaaaaaaa!!!