AVISO: Post EXTREMAMENTE longo e contendo lamechice explícita e em clara overdose! Contém vestígios de badalhoquice.
Só europeus conseguiriam fazer um filme como o Lady Chatterly: um americano nunca teria feito determindadas coisas que até podem ser consideradas como mau cinema, má técnica e baixo orçamento. E algumas são-no, diga-se, mas não tiram valor ao filme, porque globalmente ele é excelente.
Comecemos pelas coisas más que eu reconheço como más (há outra que eu entendo que são relevantes e que ficam bem), que é para despachar o assunto (porque nem é muito importante): uma certa e determinada cena de chuva é lamentavelmente mal feita (eu faria melhor que aquilo), assim como as cenas de noite no exterior (vê-se claramente as sombras do sol, o que não costuma acontecer de noite). Há ainda a registar um por outro plano “Manoel de Oliveira”, mas nada de grave. E pronto: isto foi o mais grave do mais grave do filme, na minha modesta opinião. Não é uma lista muito grande.
Uma super-produção hollywoodesca nunca poria uma actriz completamente desmaquinhada com uma sarda por outra (com o rosto transpirado e corado do sol e da pele excessivamente clara numa cena) a actuar. Bom ou mau? Ficou bem! Do mesmo modo, a vaga flacidez das coxas da actriz seria tratadas digitalmente, assim como possivelmente os seios e os dentes ligeiramente tortos. É que numa super-produção de Hollywood, seria mais importante o parecer que o ser. E nem toda a gente (nem uma actriz tão bonita) é perfeita, com rabos perfeitos, seios perfeitos a apontar para o céu e dentes como chicletes perfeitamente alinhados (o que me lembra o “Dennis o pimentinha”, mas isso é outra história).
Tinham-me dito que o filme era tórrido. Um cínico diria que havia só um par de cenas de nudez (rigorosamente falando podemos contabilizar três ou quatro, mas a primeira delas foi muito breve). Como pode ser tórrido um filme em que todas as cenas de sexo são filmadas com a roupa toda, há poucos beijos e quase nenhum gemido de prazer? Mas é! Digo mais: o filme devia ser mostrado como manifesto anti-pornografia. Não pela roupa vestida, mas por tudo o resto que tentarei explicar (mas recomendo que se vá ver o filme).
Em filmes com uma carga erótica muito grande ou mesmo pornográficos, as gajas descascam-se todas só por dois motivos: por tudo ou por nada. E sempre que lhes tocam com a ponta da unha têm um orgasmo. Como é que sabemos que têm um orgasmo? Porque berram de modo a acordar a vizinhança num raio de 30 km (mortos incluídos), saltam, trepam paredes, fecham os olhos (porque estão a actuar de cor, possivelmente) e têm episódios breves de epilepsia ou possessão demoníaca. Ou qualquer coisa assim.
Se atendermos a que normalmente são tocadas com mais que a ponta da unha, durante muito tempo, que posam de várias maneiras e feitios e ainda que têm orgasmos múltiplos e simultâneos com os gajos... acho que alguém devia dedicar-se a produzir energia para consumo industrial a partir deste tipo de filmes!! Os homens não escapam completamente ilesos: têm que ser sensíveis, saber as primeiras 300 páginas do Kama Sutra de cor, beijar de todas as maneiras possíveis e (sobretudo) estar sempre prontos para a acção e “em sentido” 25 horas por dia. Mas não consigo ter grande pena dos meninos, dado que nós é que temos “obrigação” de fazer sexo como uma estrela porno, menos o fingimento. Se não o fizermos, a culpa é toda nossa! Claro! De quem é que havia de ser?
Ora a realidade não é essa! Mas bombardeadas e bombardeados como estamos por exemplos destes, começamos a pensar que é mesmo assim que se faz e que já algo de errado connosco se não fazemos assim. O Lady Chatterly é um certo regresso à inocência, embora com uma saudável carga lasciva e erótica. Porque somos seres sexuais e o resto é treta!
A Lady Chatterly não tem televisão e muito menos TV cabo: é casada com um paraplégico não funcional no departamenteo de truca-truca e um pouco amargurado por uma Grande Guerra (a primeira) recente e que lhe levou a saúde, se bem que feliz por estar vivo. A Lady Chatterly é uma jovem e sente o despontar de uma sexualidade natural, mas frustrada pela condição do marido (que não sabe o que disse o outro: enquanto houver língua e dedo não há mulher que me meta medo). Nem sabe bem o que lhe falta e começa a somatizar a sua frustração na forma de cansaços, fraquezas e falta de vitalidade.
Uma visita ao couteiro para pedir dois faisões dá-lhe a ver algo de profundamente perturbador: o couteiro, homem da terra e com os músculos saudáveis (nada de esculpido hollywoodesco, de novo) de um homem do campo, o que contrasta com as roupas que escondem tudo e o corpo flácido do marido impotente e amargurado, de quem ainda por cima só ouve as conversas com os amigos sentada na outra sala, como uma boa dona de casa, à espera que a chamem. Como em sentinela, à espera que o marido ou os convidados precisem dela. As outras manifestações de intimidade que tem com ele são servir-lhe o chá e tratar-lhe da higiene. Mas nem tem jeito e vocação para esta última (como muita gente não tem), pelo que se impõe contratar uma enfermeira.
A visão do couteiro em tronco nú põe-na doente, fraca, débil, inerte. O próprio exame médico, com o modo como o médico coloca as mãos, como respira (um teórico erro em cinema, que seria disfarçado perfeitamente por uma banda sonora lamechas num filme “em condições”) é meio sensual, meio perturbador: tocar numa senhora modesta e tão despida (leia-se: cheia de atavios, mas a que se chama roupa interior)? A respiração do médico, o roçar da roupa e a cara de meia incomodada meio interessada da Lady são a melhor banda sonora possível. Porque na vida real não há música de fundo!
A partir daí começa a descobrir o próprio corpo e a sua beleza olhando-se ao espelho nua. Inicialmente por acidente e depois em nú meio envergonhado, como quem olha surpreencida para algo que nunca tinha visto apesar de estar sempre ali. Os cuecões modestos e um soutien teórico (aquilo não segura nada!!!) são do mais horrível que já vi. Mas por isso mesmo tem um certo encanto de descoberta: é como descobrir algo de maravilhoso no último sítio onde se procuraria, porque é terreno proibido!
As visitas à cabana de ferramentas do couteiro, alegadamente para repousar um pouco têm o efeito de pôr o pessoal a olhar para o relógio: vá, quando é que há truca-truca?
Não vou estar a fazer suspense no que não o merece: é claro que eles se enrolam eventualmente (mas dá luta!)!!
De novo, num filme de Hollywood haveria efeitos especiais, 50 minutos de preliminares e nudez necessária e não necessária e orgasmos múltiplos (ver acima a descrição mais completa). Pois na primeira cena de sexo quase não há carne à vista, toda a gente mantém as roupas numa aparentemente hipócrita demonstração de puritanismo e o couteiro demora 5 segundos a ir à lua e vir e geme como se tivesse medo de ser descoberto. Depois veste as calças e vai-se embora com um ar estranho. E a Lady Chatterley? Nicles! Só sabe que gostou. Possivelmente gostou da intimidade, de o couteiro lhe ter tirado as meias devagarinho como quem desembrulha um tesouro precioso mas quer saborear a antecipação, tirar as cuecas e se ter enrolado nela. É perfeitamente óbvio pelo rosto da actriz que ela não foi a lado nenhum. Mas gostou e quer mais!
O encontro seguinte é estranho porque o couteiro está perfeitamente ciente do seu lugar muito baixo da hierarquia social: ele não é homem para ela e não se usa comer a patroa por comer a patroa (lá está: não há televisão com canais com bolinha nessa altura)! Tem receio que por causa disso a Senhora não goste dele. Tem receio de não a agradar. Nesse e nos encontros seguintes geram-se diálogos estranho em que o “tu” e o “você” e o “a senhora” se confundem. Ela nunca o trata por tu, estranhamente. O que faz sentido, dado que ela é a mulher, ela é que tem que se reservar. Isso ou o guionista estava distraído.
Anda-se boa parte do filme nisto, de sexo desejado mas meio envergonhado e sem ela atingir um orgasmo. E o que a faz voltar? Possivelmente não ter sido bombardeada com publicidade algo enganosa de mulheres a treparem pelas paredes em êxtase. Possivelmente a intimidade e o amor que sente por um homem de quem gosta e a quem reconhece o que mais tarde se descreve como “sensibilidade feminina”: Que pode ser característica de um homem que trabalha a terra, lida com a vida (há uma cena maternal dele com pintaínhos com uma semana de vida). Um homem daqueles seria destruído por um emprego numa mina ou numa fábrica, como também se reconhece mais tarde no filme.
O primeiro orgasmo dela dá-se com a roupa toda e numa posição que ela obviamente desconhecia, mas em que está numa posição de igualdade em relação a ele. Não se vêm 1 cm2 de carne e de novo ela geme como uma pessoa e não como um animal ou como uma estrela porno. Tudo ruídos reais, de gente real. Mas isto é para aí depois de 2/3 do filme (de quase 3 horas!) passado.
A partir daí a sexualidade dela explode e ela começa a sentir-se completamente livre. Mais que o couteiro, que em vez de se sentir ameaçado por a mulher ser mais interessada que ele nas “cousas do sexo”, tenta acompanhar e satisfazê-la. Numa cena entre o embaraçoso, o ternurento e o sensual, ele despem-se totalmente e ela pede-lhe para lhe mostrar a “arma do crime”, completamente erecta, e fica excitada. Aquela excitação contida de uma Lady, que obviamente não devia andar a comer um criado. No dia seguinte olha-o de novo e diz com inocência que parece um botão de rosa, assim pequenino e recolhido. Pode ser perfeitamente coisa de gaja, mas achei mais excitante que muita conversa de cama em filmes teoricamente mais badalhocos.
Claro que acaba por se chegar a dois pontos perfeitamente inevitáveis: o marido desconfia, ela engravida. Ela toma as rédeas à situação e à gravidez impossível pelo marido impotente. Tanta emancipação e tanta coragem numa mulher que começou por ter crises de fraqueza física e psicológica, mantendo a mesma fachada, a menos de um sorriso mais aberto 2 milimetros é extraordinário. A actriz e o argumento dão-lhe a volta com mestria.
Fica-me a dúvida nesse ponto de como se poderá resolver o imbróglio a partir daí, e há o risco de cair em clichés e finais previsíveis. Muitos dos acontecimentos que se seguem são só relatados por correspondência trocada, com mais subentendidos que outra coisa. E chegada a casa é altura de resolver o assunto com o couteiro. Todos os dado apontam para que aquilo tenha que acabar, adivinha-se um adeus lamechas, mas o final é aberto. Dentro do final aberto, ele submete-se ao amor autêntico de uma mulher socialmente muito acima dele e ela o mesmo mas em sentido contrário. O paradoxo: quando estão ao lado um do outro não há patroa e criado, mas dois enamorados. O que é perfeitamente enternecedor sem chegar à lamechice.
Não li o livro, mas não vou lê-lo tão cedo: quero saborear o filme por enquanto. Fui ver o filme com duas meninas, uma das quais disse que lhe apetecia chorar por todos os motivos certos. OK, coisa de gajas, mas só o facto de andar a 1000 é que me impede possivelmente de ter a mesma reacção. É que o filme, sem chegar à náusea, é extremamente romântico.
Social e politicamente tem particularidades curiosas como aquele diálogo em que o marido (aka corno resignado, por reconhecer que é mais que natural que uma mulher tão nova e tão bonita precise de actividades extra-curriculares e um bebé) disserta sobre haverem duas classes: os que nascem para mandar e os que nascem para servir. Ela duvida e pergunta se o marido não encontrará algum encanto nos discursos socialistas. Claro que não confronta o marido: é uma senhora de sociedade e isso não se faz! Aí ele lembra-lhe que por mais cuidadosa e atenciosa que seja com os criados... continua a patroa. E é respeitada como patroa. O diálogo é único, mas ao longo do filme vê-se, sente-se e respira-se isso mesmo: ela é atenciosa, respeitadora, pergunta se não faz mal e se não incomoda... mas quem é que vai dizer que não à patroa? Pois se até o seu amante tem receio de o fazer!
Adorei o filme! Foi dos mais sensuais e romântidos que tenho visto ultimamente.
Claro que tenho que acabar com este choradinho e elogios com uma piada: é hilariante ver franceses a pronunciar “Connie”, “Mrs Wilson” e outros nomes ingleses. Mas o filme está tão bem feito que nem é muito importante nem é o que me fica mais na memória...
A quem conseguiu ler isto até ao fim, parabéns: eu não sei se não teria adormecido ou atirado o computador pela janela. Claramente ou está apaixonado, pronto para o estar ou não tem mais nada de interessante para fazer. Agora imaginem aqui o “je” a escrever isto! No fundo estava a pensar alto e publicamente.