
Mete-me impressão a maneira como o apresentador humilha o concorrente porque é o menino do chá do call centre (nem categoria nem cultura para assistente tem!). Na realidade ele é bem pior que isso: uma criatura que só está viva e íntegra por uma qualquer piada do Universo. Só pode, porque por lógica não é! Mas o que me desarmou profundamente foi a história de vida do protagonista, representativa da de um número inaceitável de seres humanos. Conflitos religiosos, ganância pura e simples, desrespeito pelo ser humano e pelo que ele tem de mais frágil: as crianças e as mulheres.
A cena em que uma criança é cega para conseguir mais esmolas fez-me controlar para não chorar (quando cheguei ao carro já não me aguentei) e marcou-me. Ver as crianças na lixeira, sujas, tratadas como objectos deu-me vontade de saltar para dentro do ecrã, pegar nelas, levá-las para casa e tomar conta delas (OK, sinto o mesmo quando vejo o Jude Law em filme, mas aí os instintos são diferentes... embora envolvam vagamente crianças... concretamente a sua fabricação por métodos naturais). Deu-me vontade de sorrir a alegria das crianças e a sua inacreditável capacidade de brincar e divertir-se e fazer asneiras que adulto nenhum teria imaginação para fazer. Mesmo no mais abjecto bairro de lata do mundo. Para crescerem cedo demais, quando no nosso mundinho há trintões ainda a jogar criquete na pista de aterragem de aviões e se esquecem de que têm que crescer e sentir felicidade nas responsabilidades que a idade traz consigo.
O filme está bem feito, de facto há ali a ascenção social e a força de toda uma nação de pobres que querem que um dos seus tenha sucesso, mas... a parte da história das crianças, por ser plausível, mexeu comigo! E a saída de tanto milhão de criaturas da miséria não é (como os milhões de rupias que levou para casa o protagonista Jamal) uma questão de destino: é algo por que tem que se lutar! Não só no próprio país, mas no mundo inteiro. E recordo o que disse o menino cego de voz de ouro (a mesma voz que o tramou em primeiro lugar): "Tu e eu somos iguais, mas tu tiveste sorte". E nós não somos diferentes de quem nasceu num bairro de lata em Bombaim (ou Mumbai, é a mesma coisa!): simplesmente nascemos no lado certo do mundo e com a pele mais clara.
Curiosamente o filme que seleccionaria como feel-good é... Milk! Objectivamente falando, mete-me nojo a realidade que retrata: tratar quem tem uma orientação sexual adulta mas desviante (OK, pode não ser a melhor palavra, mas para o caso não é grave) como pedófilo. E tratá-los como pedófilos só porque dá jeito para os retirar da vista e da vida de quem vive "como Deus quer": tendo filhos e um lar com duas pessoas de sexo diferente. Ou seja: treta da pior espécie, porque amor é amor, sexo é sexo e cada qual sabe do seu, desde que seja consensual e adulto. E homossexualidade e pedofilia não são filhos nem enteados.
E com tudo isto, porque é que me senti bem com o filme? Porque retrata algo a que não se volta. Não se volta porque uma maioria confortável de pessoas já não acha bem que se trate homossexuais daquela maneira. Não que se sintam confortáveis com a ideia (ouvi manifestações de nojo nas cenas íntimas no filme), mas isso não é o mesmo que ostracisar seres humanos como eles mesmos... mas que estranhamente se sentem sexualmente atraídos pelo mesmo sexo.
Saí do filme com a nítida sensação de ter ouvido muitos dos argumentos que ouvi dos fundamentalistas dos anos 70 em San Francisco, mas em português e de altas figuras da igreja católica (e não só) no nosso país. Mas por cada pessoa que os ouve, há um número confortável de pessoas (de tendências sexuais diversas) com vontade de os mandar para sítios pouco católicos. E que quando pressionada é capaz de fazer ver que semelhante descriminação é inaceitável.
Não digo, como é óbvio, que não se deva fazer leis contra criaturinhas como o James Franco poderem ser homem-sexuais! Tolerância é uma coisa, mas hoje é dia da mulher e isto é um homem em condições. Curiosamente é um menino de ascendência... portuguesa! E eu dizia-lhe a ascendência se o apanhasse a jeito! Já o Sean Penn pode virar quando quiser: é feio todos os dias, sempre foi e a idade não o melhorou nem um bocadinho!

Conclui-se facilmente que Deus tem um sentido de humor um pouco doentio quando fez esta criatura com a tendência sexual errada! Mas eu nunca tive ilusões de que o mundo fosse justo!
